quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Palavra de Lobo (III)

Semana ANTÓNIO SÉRGIO na «Rádio Crítica»




























Fotografia Rita Carmo

Esse era o outro mote "o direito à diferença", que conferia o orgulho militante a quem se sabia informado sobre os projectos de vanguarda e pertence a um grupo restrito de gente que mundo fora partilhava interesses e gostos.
Foi essa outra das novidades, o Som da Frente apenas por existir e sem o procurar de uma forma deliberada criou uma comunidade. Essa comunidade tinha os seus signos e comunicava mais ou menos discretamente através dessas pequenas deixas que iam corrompendo o quotidiano normalizado de forma subtil mas sem possibilidade de recuperação.

Essa alteração dos padrões sócio-culturais foi muito mais profunda que aquilo que podemos pensar, não sendo estranho hoje encontrarmos como prato forte da playlist de muitas estações de rádio, garante das suas audiências ascendentes, a mesma sonoridade que em oitenta era considerada "inaceitável e inaudível" - em suma: barulho, ruído!

Essa é uma das ironias do rock: grande parte das suas bandas seminais só ganhou reconhecimento vários anos a edição do último álbum. A ausência de sucesso, a dificuldade em lidar com as regras de mercado, a agonia das tabelas de venda levaram parte das vezes ao dispersar e, quando anos depois o back catalogue se torna uma fonte de receitas seguras, muitas vezes mantendo o fôlego a companhias discográficas moribundas, só alguns têm a memória da vivência sonora a seu tempo.

A comunidade Som da Frente não se incomodou muito com essa apropriação do mainstream; aliás a educação das massas fazia parte do objecto da sua existência "divertir, formar, informar". A diferença continuava presente pois raramente a sua preferência recaía apenas sobre a canção que se tornaria hit single.
Constituiu, por essa razão, prioridade em termos monográficos, de temas que emprestam ao mundo da música a sua razão de ser, aberto ao mundo através do éter empenhou-se na difusão regular de temáticas-chave cujo interesse foi partilhado por estudiosos e amantes da música, das letras e da cultura, sendo alvo de diversos trabalhos universitários.

Ana Cristina Ferrão
Dezembro 2001
inlay CD colectânea «Som da Frente 1982-1986»


(continua)


















Mais um dos 36 temas da colectânea «António Sérgio apresenta SOM DA FRENTE 1982-1986».
Um Vini Reilly ainda muito novo, há quase 30 anos:

Durutti Column - "Sketch For Dawn" (1981)



O que eles dizem (54)

E, no entanto, a alta qualidade dos seus programas [António Sérgio] tornou-se anacrónica. O uso social e cultural da rádio mudou radicalmente nas últimas décadas. A audição de rádio perdeu relevância quanto aos conteúdos. Tornou-se uma ocupação do silêncio, uma anestesia aural. Não se ouvem programas, ocupam-se os ouvidos, no carro, no café.
As rádios generalistas anularam os programas de "autor": não há público; poucos se dispõem a ligar o aparelho a uma hora certa para ouvir certo programa, mesmo no género preferido.
Bob Dylan tem feito nos últimos anos um programa
a contrário, como se fosse de antigamente, ao jeito de documento do que a rádio era quando tinha autonomia. Mas é um mundo que perdemos: os programas de Dylan ouvem-se em CD ou MP3.
Eduardo Cintra Torres
In: «PÚBLICO», Sábado de 07 Novembro 2009



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