quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Palavra de Lobo (II)

Semana ANTÓNIO SÉRGIO na «Rádio Crítica»






















"O Som da Frente" foi o programa de rádio que desempenhou o papel de maior relevo na assimilação da música popular dos anos oitenta" - dizia uma jornalista da época. Indicando que para manter o lugar dianteiro que justificava o próprio nome, implicava a procura incessante das últimas novidades discográficas numa altura em que o circuito de importação e a penetração da própria indústria discográfica em Portugal não tinha o protagonismo de hoje.

O que sempre foi fascinante no conceito O Som da Frente e da tribo formada pelos seus fiéis seguidores foi o total desprezo e até aversão à "estreia mundial", aos tops de vendas, à repetição de fórmulas sonoras. Esta aversão era compensada pelo apego zeloso ao "som" enquanto forma de Arte, espelho de sub culturas e ponto de partida para a exploração das Artes Plásticas e Cénicas, Cinema, Filosofia, Antropologia, ou até mesmo do património histórico-artístico universal, dado representarem áreas de riqueza que importava conhecer e valorizar para compreender os novos sons. O Som da Frente era a montra para o som enquanto experiência sensorial.

As viagens semestrais a Londres, os empréstimos dos fãs e a intuição criteriosa de quem acreditou não sonhar sozinho, deram o toque de magia mesmo sem a corrente de novidade que muitos pensavam ser apanágio da emissão.

Os empréstimos decorriam da constatação única e, para os mais incautos, insólita: a sensação experimentada ao ouvir uma canção no gira-discos "lá de casa" era uma experiência auditiva substancialmente diferente e de menor gradação, comparada com a obtida ao ouvir a mesma canção entrosada numa "corrente sonora" do Som da Frente, na sua versão diurna ou nocturna. O Som da Frente tornou-se assim mais uma peça fundamental na panóplia de estímulos que actuam como "expansores de consciência".

Explicar este sentimento, que arrisco colectivo, seria conseguir o impossível: explicar a magia da Rádio. No entanto, a manipulação dos sentimentos através do som não é exclusivo do meio, mas sim do artista que o molda à sua imagem, à sua sensibilidade, fazendo fluir na onda da sua intuição sons, vozes, silêncios, instrumentos, palavras que, embora considerados pelas "normas" malditos, eram apenas diferentes.
Ana Cristina Ferrão
Dezembro 2001
inlay CD colectânea «Som da Frente 1982-1986»

(continua)

















Outro dos 36 temas da colectânea «António Sérgio apresenta SOM DA FRENTE 1982-1986».
Há poucos dias, a banda de Richard Butler esteve ao vivo no Porto e tocaram este clássico no concerto realizado no passado dia 20 de Outubro no Teatro Sá da Bandeira:

The Psychedelic Furs - "Sister Europe" (1980)


O que eles dizem (53)

Quando António Sérgio (1950-2009) começou a sua aventura radiofónica, foi tarde para mim porque eu já tinha substituído o rock e a pop do tempo pela música clássica, jazz e pop-jazz. Contudo, sempre reconheci nele um dos grandes profissionais do media radiofónico. Ele representava o novo; estudava e preparava o conteúdo dos seus programas; e tinha uma forma própria e adequada de o apresentar. Nessa unidade apuradíssima de conteúdo e forma, ninguém batia António Sérgio.

Eduardo Cintra Torres
In: «PÚBLICO», Sábado de 07 Novembro 2009



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