quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Oito coisas do Verão 2008 (2)

Ele em minha casa













Vic Chesnutt

Na recta final do Verão tímido, uma grande e inesperada surpresa. No cartaz do magnífico Festival B.O.M. [Barreiro Outras Músicas] os nomes de Vic Chesnutt e American Music Club.

Numa quinta-feira à noite, na véspera da actuação dos American Music Club, a estreia de Vic Chesnutt em Portugal para um concerto só para conhecedores.
No início dos anos 90 soava nos corredores da Rádio um jingle promocional a um programa especial a emitir daí a uns dias. O texto promocional começava com uma pergunta: “Quem é Vic Chesnutt?” Colegas desconhecedores, estimulados pela inquietude da pergunta, replicavam em voz alta a mesma questão: “Quem é Vic Chesnutt?”. Pois bem, a resposta veio através do próprio programa dedicado a um então desconhecidíssimo autor/compositor/cantor norte-americano. Por esses dias tinha entre mãos o primeiro álbum de Chesnutt – «Little» (1990). Nessa altura já esse registo inaugural de Chesnutt levava dois anos de publicação.
Mas respondendo à pergunta: “Quem é Vic Chesnutt?”
Chamar-lhe-ia antes o Robert Wyatt americano. Semelhanças não faltam. Ambos vivem sobre uma cadeira de rodas até ao fim da vida, são dotados de vozes que transmitem toda a dor do mundo e são autores e intérpretes das suas próprias composições. Cantam, como poucos, o sentimento da perda e a fatal condição humana. A história pessoal de Vic Chesnutt fala por si: embriagado e ao volante de um automóvel sofre um grave acidente de viação, em 1993, que o deixa semi-paralítico. Tudo na sua vida mudou e a música também.
O arranque da carreira de Chesnutt teve a preciosa ajuda de Michael Stipe enquanto produtor e colaborador activo nos primeiros discos de Vic. O melhor deles, nessa primeira fase, é «West Of Rome», editado em 1991. Antes já tinha conhecido a luz do dia «Little» (1990). Seguir-se-iam outros até aos nossos dias.
Vic Chesnutt afirmou que ficaria musicalmente realizado se um dia conseguisse escrever “uma má canção de Leonard Cohen”. Para grado dele – e de quem o gosta de ouvir – escreveu algumas canções ao mesmo nível do trovador canadiano. Actualmente, Vic Chesnutt já vai no décimo segundo álbum de originais, o último dos quais editado este ano, sob o título «Dark Developments» (já depois do concerto aqui referido).
No auditório, uma actuação intimista de Vic Chesnutt. Corpo e alma em cima duma cadeira de rodas e uma voz sofrida a cantar com ironia, auto-censura, culpa e desculpa. Toda a tristeza de uma vida salva pela perseverança e auto-crítica mordaz. A capacidade de rir de si próprio levada ao limite da ironia: “The Little Fucker? I’m the little fucker!”.
Não me lembro da última vez que passei Vic Chesnutt na Rádio. Foi, seguramente, há muitos anos. Mas se hoje pudesse escolher um dos seus cínicos e mordazes temas, escolheria “Stupid Preoccupations”.

Ver entrevista a Vic Chesnutt; Ver e Ouvir canção: “God Is Good” (com Victoria Williams)

Um grande aplauso para o Festival B.O.M.2008. Espero em 2009 a continuidade do nível atingido.




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