terça-feira, 6 de novembro de 2007

O que eles dizem (27)

Ninguém sabe a razão do crescente ruído da nossa cultura.
Uma sinfonia de Haydn é menos barulhenta do que uma de Beethoven.
Beethoven tem muito menos decibéis do que Wagner, enquanto Stravinsky é dez vezes mais alto do que uma sinfonia de Haydn. Ninguém entende porquê. Hoje em dia há barulho por todo o lado. Talvez seja uma forma de afastar os nossos medos.
Talvez. Não sei.


Wim Kayzer

In: «Of Beautiful & Consolation»
-----------------------------------------------------------------------------------------
Mal dizer
Tanto barulho

Portugal é um país barulhento. Sempre foi. Éramos (e somos) conhecidos por falar alto, seja em que lugar for (num restaurante, na fila do aeroporto para apanhar um avião, numa conversa no meio da rua, no trabalho). A chegada dos telemóveis à nossa vida pôs-nos a falar ainda mais alto nos restaurantes, nos aeroportos, no meio da rua, no trabalho. A esta barulheira há que juntar outras: os toques dos telemóveis das chamadas e das mensagens que recebemos, que são sempre muito altos, sobretudo quando se está em espaços públicos (é a única garantia de que vamos ouvi-los), o som dos motores dos carros a acelerarem sempre que vemos um bocadinho de rua livre à nossa frente ou do pára-arranca das filas nas horas de ponta e nas outras todas (há sempre filas). Como se não fosse suficiente, é cada vez maior o barulho das buzinas dos carros. Há cada vez mais buzinadelas. Por tudo e por nada. Se um cão se atravessa à frente do nosso carro, buzinamos, se há um acidente, buzinamos todo o tempo que leva a mudar os automóveis que bateram para um lugar que não atrapalhe o trânsito, se vemos um amigo no outro lado da rua, buzinamos. E já nem compras podemos fazer sem música de fundo.
É barulho a mais para tão pouca gente. Seria bom se nos tornássemos menos ruidosos.


Ana Gomes Ferreira
In: revista «PÚBLICA»
Domingo, 21 de Outubro 2007

---------------------------------------------------------------------------------------------

António Sérgio
Bicho da Rádio

É a voz de uma geração que
aprendeu a ouvir música
com a rádio.
No final do Verão, foi dispensado
pela Rádio Comercial.
Lia Pereira






foto: Rita Carmo

Quais foram para si os anos áureos da rádio em Portugal?
Os anos dos programas de autor na antiga Rádio Comercial, ainda pertencente à RDP.
A rádio era ouvida com uma clubite muito especial. Uma das funções da rádio é espalhar magia: nós não temos cara, temos vozes, e isso ajuda a incendiar o imaginário dos ouvintes. E esta rádio de hoje, coitada, não incendeia absolutamente nada. Põe o ouvinte a um canto e diz-lhe: ouve isto, que não te maça, que não te assusta, não te provoca, não te faz comprar discos. Outra verdade: a rádio de hoje não te faz comprar discos – as rádios de autor conseguiam fazer as pessoas ter paixão por comprar música.


Poderá haver uma rádio desse tipo, na era da Internet?
Quando o BLITZ ainda era jornal, dei uma entrevista onde dizia que não havia hipótese nenhuma de regresso a uma rádio de autor. Com aquela perspectiva de canal cheio, a jorrar talento por todo o lado, como foi o caso da década de 80. A XFM voltou a pegar naquilo que eu achava que valia a pena: trabalhar para uma imensa minoria, levar as pessoas a interessarem-se por artistas que correm o risco de compor e não copiar.
Já passaram [três] anos e hoje não respondia como respondi – hoje acredito que é capaz de haver uma hipótese de os programas de autor voltarem a despontar e a singrar.
(…)
Apesar de ser um bocadinho tarde para mim, por uma questão de idade, é provável que surjam, em rádios não nacionais e universitárias, [projectos] para estimular as pessoas e não estupidificá-las.

In: BLITZ /Novembro 2007



<< Home