quarta-feira, 12 de abril de 2006

OVERDOSE

























A “futebolização” do país. Televisões e rádios quase não falavam de outra coisa, e canais de TV e rádio começaram as emissões especiais com grande antecedência.
Há duas semanas o país “parou” por causa do jogo de futebol entre o Benfica e o Barcelona. Há oito dias, o país voltou a “parar” por causa do jogo de futebol entre o Barcelona e o Benfica. Hoje, quarta-feira, não houve jogo nenhum entre estas duas equipas de futebol. O que difere o dia de hoje com os outros dois dias em que o Benfica jogou é que, por causa de não haver jogo, ficámos a saber da polémica entre o ministro da justiça e a polícia judiciária, ficámos a saber dos maus tratos infligidos a crianças deficientes, ficámos a saber do empobrecimento de urânio e dos mais recentes preparativos nucleares do Irão, entre uma e outra notícia interessante. O que saberíamos disto tudo se o Benfica jogasse hoje uma eliminatória da Liga dos Campeões? E o que não soubemos e não fomos devidamente informados pelos media nesses dois dias em que o Benfica jogou com o Barcelona?
Cerca de CINCO horas antes do início da partida já televisões e rádios em Portugal estavam em emissão especial. O jogo da segunda mão – que poderia ainda ser sujeito a prolongamento – iniciou-se às 19:45. Depois de terminados os dois jogos da eliminatória seguiram-se as inevitáveis análises, intermináveis e previsíveis, cansativamente óbvias, exaustivamente repetitivas, com imensos comentadores e especialistas em directo, treinadores de bancada, etc. No total, e só para contabilizar o tempo corrido de transmissão, gastaram-se NOVE horas em cada um dos dias de jogo, o que faz com que se atinja a desmesurada soma de DEZOITO horas por causa de – neste caso vertente – dois jogos de futebol.
A equipa portuguesa apenas estava a disputar os quartos de final de uma competição. Fosse qual fosse o resultado, o Benfica não ganharia nada a não ser o direito a ter de disputar mais dois jogos e mesmo assim não iria ganhar nenhum título com isso. Este exagero de tempo de cobertura não é razoável, excede em larga escala o admissível, especialmente no chamado “Serviço Público”. Nenhum outro assunto, nenhuma outra notícia ou acontecimento com data e hora marcadas é tratado com tanto espaço. Nem sequer uma jornada eleitoral. Só uma catástrofe natural ou um ataque terrorista pode quebrar esta regra. Mas já que é assim, ou já que tem que ser assim, é caso para perguntar se outra equipa de futebol portuguesa teria direito ao mesmo tempo de antena. Qualquer que fosse a equipa portuguesa a atingir a mesma fase da competição mereceria ser alvo das mesmas atenções por parte da comunicação social?
O mais perigoso de toda esta dose excessiva de futebol (e clubismo) nos media nacionais é que se o Benfica tivesse chegado às meias-finais da Liga de Campeões, lá iríamos ter – pelo menos – mais DEZOITO horas do mesmo. No dia da final, com a presença de uma equipa portuguesa, já se percebia uma cobertura informativa com esta dimensão. Porque seria um feito, um acontecimento raro para um clube português. Mas, neste caso do Benfica, ainda se estava muito longe disso.
Paixão pelo futebol sim, patriotismo também, “benfiquismo” não! E a “futebolização” do país ainda menos!

No dia do jogo da segunda mão ouve-se numa rádio o escritor António Lobo Antunes dizer que não conseguia compreender como é que em Portugal não se consegue ser-se do Benfica!

Ver:O Peso do Futebol na Rádio” no blogue “Rádio e Jornalismo” de Luís Bonixe.

É a cultura? Não, pá… é o espectáculo, estúpido!



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