segunda-feira, 3 de outubro de 2005

Disco são?




















Corria o ano de 1977 quando o fenómeno "DISCO" atingiu o auge a nível mundial e também em Portugal. O Disco Sound enquanto género havia começado uns anos antes. Uma mistura altamente dançável de Funk e outras correntes ritmadas da música negra (R&B, Smooth Soul) abrilhantados por efeitos electrónicos, indumentárias exuberantes, cores garridas e, claro, a inevitável bola de cristal em permanente rotação. Esse ponto alto de popularidade do Disco Sound foi alcançado muito à custa do filme "Saturday Night Fever" (Febre de Sábado à Noite) com John Travolta no principal papel (Tony Manero) e com banda sonora a cargo dos Bee Gees. O sucesso, quer da película, quer da música, foi brutal. Ao ponto de passar-se da adoração à saturação num espaço de poucos anos, e, o fenómeno DISCO - que tantas latitudes influenciou - caiu em desgraça. O repúdio que se seguiu foi tal que a banda sonora de Saturday Night Fever destruiu quase por completo a carreira dos irmãos Gibb, que pelo menos até aí corria sem beliscaduras. Nos Estados Unidos, por exemplo, surgiu mesmo um movimento mais ou menos organizado "anti-Disco", que, entre outras excentricidades, proibiu a passagem dos Bee Gees na rádio (algumas estações) e em que os discos (vinil) eram pura e simplesmente destruídos em plena praça pública. Tudo isso é passado. O ex - fenómeno DISCO transformou-se em sazonais acções de nostalgia. Foi depois devorado pela aparição em cena de uma saudável New Wave no mundo pop-rock, pelos estilos New Romantic, Electro-Pop e por aí em diante. O som do DISCO passou a relíquia inconsequente, e quase trinta anos depois, só mesmo sob o manto da nostalgia desses anos de cores fluorescentes e pistas vibrantes é que se recorre à audição de temas que marcaram para sempre este Sound que dominou os mercados ocidentais durante a segunda metade dos anos 70 e ainda os inícios de 80. Apesar de um certo estigma ( preconceituoso ) que o Disco Sound deixou em muita gente, não tenho vergonha absolutamente nenhuma em revelar que a banda sonora do filme Saturday Night Fever foi o primeiro disco que comprei, ainda em 1977, bem em cima do acontecimento. Foi o meu delírio (e da minha irmã) nos primeiros tempos da escola primária. Dançávamos e cantávamos as canções do duplo vinil, cujo filme fez de Travolta uma estrela mundial e colocou os Bee Gees nas bocas do mundo. Sim, eu venho do DISCO! Depois seguiu-se a idolatria por "Born To Be Alive" de Patrick Hernandez, "Heart Of Glass" dos Blondie, "Dancin' Queen" dos Abba e toda a tralha Disco que vinha na onda da época. Mas houve também um "outro" Disco, mais refinado, mais elegante e com melhores ambições estéticas: os Chic ou Giordio Moroder, por exemplo. Aliás, o álbum "C’est Chic" dos Chic (1978) é, para mim, o melhor trabalho de sempre do Disco Sound. Gosto do Disco Sound porque marcou uma época colorida não só da minha vida em particular como também da própria industria musical, hoje em dia tão votada à lamentação. À luz destes primeiros anos do século XXI, tudo aquilo assume uma aparência um bocado bizarra, por vezes - e com alguma razão - a descambar para o mau gosto... Mas é mesmo isso! É toda aquela atitude exageradamente Kitsh que confere aos anos dourados do Disco Sound características únicas e irrepetíveis.

Eu conheci e aderi ao Disco ouvindo rádio!
Tudo isto para dizer que o Disco Sound já não existe - há muito tempo - na rádio. Há uma excepção: o programa "Clube-Disco" no RCP - Rádio Clube Português. Sábados à noite, mesmo a condizer com o espírito de "Febre de Sábado á Noite"...durante sete (!) horas consecutivas. Os clássicos estão lá todos: Bee Gees, Donna Summer, Chic, Patrick Hernandez, Boney M, Village People, Lips Inc., Kelly Marie, Tavares, etc, etc. Até aqui tudo bem. Acontece que neste Clube-Disco desfilam temas que em nada têm que ver com o período histórico - musical de que se ocupa. A frase do programa é mesmo esta: "Clube-Disco o Melhor do Disco Sound" O melhor?! Repito: os clássicos estão lá todos! Mas como é possível ouvir-se Leo Sayer (numa balada!) ou os temas "Der Kommissar" de Falco, "Solid" de Asford & Simpson (contemporâneos do Disco, mas este tema está fora do género. É de 1984!), "I Feel For You" de Chaka Khan (versão no ano de 1984 de um original de Prince), "When the Going Gets Tough, The Tough Get Going" (1986!) de Billy Ocean, e outros temas e artistas que - repito - nada têm a ver com o Disco Sound? Quem conheceu o o período em causa - e é a esses que o programa se dirige - sabe bem distinguir o que é e não é Pure Disco. Mas um público mais jovem, que não viveu nem conheceu o fenómeno Disco Sound está a consumir lebre com rabo de gato... ou, dito de outra forma, está a ser enganado. Mas o selo de garantia continua lá: "O Melhor do Disco Sound"!

Curiosamente, ao mesmo tempo em que ia escutando o RCP e o seu Clube - Disco, o televisor estava ligado (sem som) no canal musical VH1. No canto superior direito estava em permanência a legenda "Viva La Disco". Era suposto ser uma emissão com telediscos de Disco Sound...e, para não variar, lá estavam os habituais clássicos referenciais desta história: "Daddy Cool" dos Boney M, "Stayin' Alive" dos Bee Gees, "In The Navy" e "YMCA" dos Village People, etc... Mas também lá estavam videoclips completamente opostos, como por exemplo "You Spin Me Around Like a Rekord" dos Dead Or Alive (1985), "Get Out Of My Dreams" de Billy Ocean (1988), "Sugar, Sugar" dos Archies (1969), "Everybody's Free" de Rozalla (1991), "Get The Party Starded" de Pink (2002) ou "Start To Fall" dos Cabin Crew (2005). O caldeirão é vasto, variado e derivado, mas é inconcebível que se coloquem ingredientes tão estranhos numa ementa que já de si dispensa tais adornos. Seja na TV, seja na Rádio, seja onde for. Principalmente quando os rótulos exibidos garantem (?!) qualidade pura. Ou será que tudo quanto soe a Funny, Party & Dance é considerado Disco?

Desconheço quem e quais os critérios da pessoa que elabora a playlist do programa. Apenas sei que não é da responsabilidade dos animadores/apresentadores do Clube - Disco. Quando procurei o Clube - Disco do RCP tencionava ser servido pelo Pure som do Disco e não deparar com um produto inquinado que não coincide (na menor parte) com as expectativas levantadas: "O Melhor do Disco Sound"!
O programa Clube - Disco ocupa um espaço enorme em antena, mas sendo o RCP uma estação maioritariamente musical, isso não constitui qualquer tipo de problema. Tenho em crer que é actualmente o maior programa em duração de horas na rádio portuguesa. São sete (!) horas consecutivas de emissão (20:00 - 03:00), mas com a fruta devidamente exprimida, salva-se pouco mais de metade com Disco Sound autêntico. Não seria preferível reduzir a duração de cada emissão e obter-se assim um produto final mais fiel à frase "O Melhor do Disco Sound"? Acho que esta ideia dava uma boa e saudável discussão.
I came from the Disco! Sim, mas do Pure!... e este Disco não está são!

CLUBE-DISCO: o melhor do Disco Sound
RCP- Rádio Clube Português
Sábado p/ Domingo (20:00 - 03:00)
www.rcp.clix.pt


O Clube-Disco está no ar desde 2003, e das várias vezes que ouvi, tem sido apresentado por dois animadores. Sempre com boas performances, mesmo com a vantagem do programa ser previamente gravado: José Candeias (pontualmente) e Aurélio Gomes (na maior parte das emissões). Sobre Aurélio Gomes, umas breves palavras deste ouvinte: É um animador de excelência! Um profissional do mais alto nível. A sua postura em antena dignifica e muito o produto que "vende". Boa voz (infelizmente isso hoje em dia isso conta pouco, mas cá vai), grande ritmo (qb), palavras de circunstância que calham que nem ginjas, bom sentido de humor, óptima presença e agradável companhia. Enfim, uma delícia de apresentação, por ventura merecedora de palcos maiores.

Francisco Mateus


Para nostálgicos dos seventies e com o apoio do RCP:
Festival Disco Fever
Village People + Bonney M
18/Novembro/2005
Pavilhão Atlântico (Lisboa)



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